No Ceará, palco de chacina, aúdios mostram que Primeiro Comando da Capital (PCC) alicia menores para
- Flávio Costa
- 28 de jan. de 2018
- 7 min de leitura

“A organização dentro do Ceará está precisando de ajuda porque o Estado do Ceará está generalizando em guerra, meu filho. Tá em guerra. Nossos irmãos se encontram encolhidos em uma só unidade. Tem que ajudar os irmãos que se encontram dentro do Estado. Aqueles que estão dentro da luta, que estão morrendo, botando sua vida em xeque”.
Quem fala acima é um membro do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior facção criminosa do país, durante uma discussão a respeito da distribuição dos lucros obtidos com atividades ilícitas em Fortaleza – palco de uma chacina ocorrida neste sábado (27/01), que resultou na morte de 14 pessoas.
O uol notícias teve acesso exclusivo a áudios enviados a um grupo de WhatsApp formado por membros cearenses do PCC. No começo deste ano, um policial obteve acesso a um celular de um integrante da facção e conseguiu copiar os arquivos do aparelho. A reportagem apurou que as forças de segurança do Estado tem conhecimento sobre o conteúdo dos áudios.
No grupo, os criminosos debatem, entre outros assuntos, a “matrícula” de menores de idade, quebrando assim uma antiga regra do Primeiro Comando da Capital (PCC), a distribuição de lucros e a tomada de pontos de venda de drogas dos rivais.
O apelo de ajuda aos “irmãos”, descrito acima, comprova que o Ceará tornou-se uma das principais frentes de guerra que opõe facções criminosas na disputa pelo controle de presídios e de pontos e rotas de tráficos de drogas e armas no país.
Em outro áudio, um membro do Primeiro Comando da Capital (PCC) ressalta que a facção, fundada em 1993 em um presídio de Taubaté (SP), busca dominar o maior número possível de “quebradas” (comunidades) na capital do Ceará: “Vamos tomar as quebradas desses vermes, não adianta só se defender, não. Nós temos que atacar”.
CHACINA DEIXA 14 MORTOS NO SÁBADO
A madrugada de sábado (27/01) registrou o capítulo mais sangrento desta disputa no Ceará: atiradores da facção GDE (Guardiões do Estado) assassinaram pelo menos 14 pessoas que frequentavam uma casa de show chamada “Forró do Gago”, na periferia da capital cearense.
Um grupo de homens fortemente armados invadiu a festa no bairro Cajazeiras e atirou contra os participantes. Mulheres são a maioria entre as vítimas. Entre os 18 feridos, um estava em estado grave até o horário das 23h deste sábado. A chacina é considerada a maior da história do Ceará.
Segundos fontes não oficiais, o evento era promovido por integrantes do Comando Vermelho (CV).
Nascida há dois anos, a Guardiões do Estado (GDE) é, atualmente, aliada ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no Ceará. Seus rivais são membros do Comando Vermelho (CV) e da Família do Norte (FDN).
A Guardiões do Estado (GDE) se especializou no domínio das áreas de conjuntos habitacionais do programa do governo federal “Minha Casa Minha Vida”. A facção nasceu na região do Conjunto Palmeiras, que apresenta o pior índice de desenvolvimento de Fortaleza, de acordo com estudo divulgado em 2014 pela prefeitura da capital.
Horas depois da chacina, começou a circular nas redes sociais um vídeo feito por detentos de um presídio do Ceará prometendo vingança contra membros do Guardiões do Estado (GDE) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Em outro vídeo, membros da Guardiões do Estado (GDE) comemoram o “sucesso” da chacina, utilizando fotos das vítimas.
No ano passado, o Ceará registrou 5.134 assassinatos, ante 3.407 em 2016. O crescimento é de 50,7%, informou o jornal “Estado de São Paulo”.
O maior aumento ocorreu em Fortaleza, que registrou salto de 96,4% na quantidade de homicídios. No ano passado, foram 1.978 assassinatos; em 2016, houve 1.007 registros. Os dados confirmaram que o Estado atingiu em 2017 um número recorde de homicídios em toda a história.
Em reportagem publicada em 20 de agosto de 2017, o uol revelou que o Ceará era um dos três Estados da região Nordeste, onde a elevação do índice de homicídios estava diretamente ligada à guerra de facções.
A reportagem apurou que a avaliação de membros das forças de segurança é a de que a guerra entre facções chegou a um ponto crítico no Ceará.
“Há uma semana, mataram um integrante da Família do Norte (FDN), aliado do Comando Vermelho (CV), numa barraca da praia do Futuro. O assassinado estava cercado de seguranças”, afirmou, sob sigilo, um membro do setor de inteligência da Polícia Federal (PF), que monitora a ação de facções criminosas no Nordeste.
“Na minha avaliação, o Primeiro Comando da Capital (PCC) mandou avançar e o Guardiões do Estado (GDE) está cumprindo a determinação” afirma. “Só que o Comando Vermelho (CV) e a família do Norte(FDN) têm poder de fogo para enfrentar. Então vai morrer mais bandido”.
Desde o final de 2016, o Primeiro Comando da Capital (PCC) entrou em guerra com o Comando Vermelho (CV) e suas facções aliadas, principalmente a Família do Norte (FDN), a terceira maior do país, pela disputa do controle dos presídios e das rotas de tráfico em todo o Brasil.
Em um terceiro áudio do grupo do WhatsApp, um membro do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Ceará fala da necessidade de matricular menores de idade para aumentar o número de filiados: “O Primeiro Comando da Capital (PCC) não batiza de menor, tudo bem. Mas a gente sabe que tem muito molecote aí que são bandidos (sic) e tem muita atitude. Tem sangue no olho. Eu tinha até sugerido o seguinte: A gente não tem nossa matrícula de batismo? Poderia ser feita uma matrícula só para os de menores. Só para eles ficarem do nosso lado”.
“Lamentavelmente, o Ceará vive uma guerra entre as três principais facções criminosas e o número de homicídios só vem aumentando em razão dessa disputa por pontos de tráficos”, afirmou Reginauro Sousa, presidente da APS (Associação dos Profissionais de Segurança Pública do Ceará).
PCC AFROUXA REGRAS DE BATISMO
Em reportagem publicada em 15 de dezembro passado, o uol mostrou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) afrouxou suas regas de “batismo” para atingir a meta de 40 mil criminosos filiados em todo o país. Esse afrouxamento inclui também o batismo de menores de idade, fato que já é observado no Estado de Goiás.
“Surgiram informações de que essa facção está interessada em aumentar o seu número de filiados principalmente por estar em disputa com outros grupos criminosos em diversos Estados” disse, Flávio Werneck, vice-presidente da Federação Nacional de Policiais Federais (Fenapef).
Em alguns Estados, a estratégia do Primeiro Comando da Capital (PCC) de aumentar o seu número de filiados principalmente por estar em disputa com outros grupos criminosos em diversos Estados”, disse Flávio Werneck, vice-presidente da Federação Nacional de Policiais Federais (Fenapef).
Em alguns Estados, a estratégia do Primeiro Comando da Capital (PCC) de aumentar filiados tem sido mais bem-sucedida do que em outros. O Ceará tornou-se, justamente, um caso exemplar: por volta de março de 2015, o Primeiro Comando da Capital (PCC) possuía menos que 250 filiados no Estado.
Atualmente, o número é, pelo menos, dez vezes maior. “O Primeiro Comando da Capital (PCC) tem priorizado os Estados que estão em fronteiras, ou que possuem portos, onde a prioridade é o tráfico internacional para centros de consumo da África, Europa e Ásia”, afirma outro investigador da Polícia Federal (PF), sob anonimato.
“Esse seria o motivo da facção não querer perder espaço e mesmo se consolidar no Ceará, onde existem dois portos importantes: Mucuripe e Pecém”.
Em uma contabilidade da facção, à qual os órgãos de segurança tiveram acesso, o Primeiro Comando da Capital (PCC) teria chegado a exatos 2.494 filiados cearenses no último mês de maio. É o maior contingente fora de São Paulo, berço da facção, e do Paraná.
“Atualmente já seriam cerca de 3.000”, estima o investigador da Polícia Federal (PF).
‘DIFÍCIL EVITAR’, DIZ SECRETÁRIO DA SEGURANÇA
Horas após o massacre, o secretário da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, André Costa, afirmou em entrevista coletiva que a chacina foi um evento isolado.
“No mundo todo, tem situações em que se matam 50 pessoas, 60 pessoas em boates. É uma situação criminosa que foi organizada, que foi planejada e que veio a ser executada” disse.
Costa negou estar havendo perda de controle do Estado com relação ás facções criminosas no Ceará e comparou o episódio a situações como as que ocorrem em outros países” como os Estados Unidos (EUA).
“Não é que haja perda de controle. São ações que acontecem inclusive em outros países, como os Estados Unidos (EUA). São situações que pessoas entram em local, tem tiroteio e se mata dezenas de pessoas. É difícil evitar e a população sabe. Mas também tem situações que a inteligência se antecipa e evita e, como evita, não vira notícia. Mas, infelizmente, veio esse fato hoje, que não se conseguiu evitar”, declarou o secretário.
Antes da ocorrência da chacina, o uol havia pedido uma entrevista com o secretário André Costa, cujo assunto era a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) e de outras facções criminosas no Ceará. A assessoria preferiu enviar uma nota em que elenca estatísticas, cita algumas aquisições de equipamentos, e diz que:
“O resultado das iniciativas contra as ações criminosas foi traduzido em números para a Segurança Pública. Em 2017, foram mais de sete toneladas de drogas apreendidas, o que corresponde ao aumento de 159,7% em comparação a 2016, quando foram 2,8 toneladas. Já na quantidade de armas de fogo apreendidas, houve um aumento de 26% nas apreensões, o que totaliza 7.443 armamentos ilícitos contra 5.909 em 2016. Além disso, a SSPDS realiza, atualmente, a territorialização das equipes policiais em comunidades de Fortaleza, onde existiam maiores incidências de crimes”.
A nota termina dizendo que detalhes sobre a investigação de facções sigilosos.
“Por fim, sobre o monitoramento de organizações criminosas atuantes no Estado, a SSPDS reforça que detalhes de investigações não podem ser repassados. A atuação das Forças de Segurança n combate a essas ações ocorre de forma sigilosa, visando não compreender o andamento dos trabalhos policiais”, diz o órgão.
Por: Flávio Costa, com informações do Estadão Conteúdo











































































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